Heitor Ferraz Mello
Sempre há algo escondido atrás de uma porta. Há algo escondido atrás de uma capa, onde se pode ler a “A porta”. Os poetas são uma espécie de seres curiosos que abrem essas tantas portas. Não nos deixam ver exatamente o que está ali atrás, mas nos permitem entrever, ou pensar sobre o escuro que habita lá dentro, “provavelmente com aranhas”, como diz a romancista e poeta canadense Margaret Atwood, em seu A porta, publicado originalmente em 2007 e que sai agora no Brasil em tradução da escritora Adriana Lisboa.
Como diz a tradutora, em entrevista à CULT, os poemas de Atwood são precisos e cirúrgicos. Dividido em cinco partes, o livro guarda uma narratividade interna, recompondo uma história pessoal, da infância à velhice, passando pelos casos do cotidiano. Mas pautada pelo humor, que não deixa os poemas se transformarem em fuga da realidade. Como se ela precisasse o tempo todo nos alertar dos artifícios da poesia. Na primeira parte, somos levados a uma rememoração da infância, mas sem nostalgia falsa. A segunda, uma das mais belas, é sobre a poesia.
Diante do sublime, Atwood interpõe, com sabedoria, uma alavanca de estabilização, cuja função é mostrar que “nos bastidores é sempre uma carnificina”. As imagens são fortes, “porta de pedra” e “véu de ferro”, e colocam o lirismo frente a frente com o mundo concreto. Mesmo a velhice, que ocupa a última parte, é vista com esse humor: o de quem percebe que a literatura pode criar “um lago de conforto”, mas que será “possivelmente falso em meio à tragédia”. É assim que o “deus das dobradiças” abre e fecha portas, com riso zombeteiro.