Quantcast
Channel: Revista Cult » 178
Viewing all articles
Browse latest Browse all 9

David Bowie está de volta

$
0
0

Cadão Volpato

Nos tempos bisbilhoteiros da internet, em que tudo se sabe, David Bowie conseguiu a proeza de lançar uma música nova no dia do seu aniversário de 66 anos (8 de janeiro de 2013) e ainda anunciar um novo disco para 2013, The Next Day, prometido para 21 de abril, mas já disponível para audição e pré-venda no iTunes.

Bowie fez tudo isso em segredo, além de ter passado dois anos gravando sem que ninguém se desse conta – isso depois de ter lançado o último disco em 2003 (o fraco Reality) e de ter sumido do mapa em 2006, dois anos depois do enfarte seguido de três pontes de safena que o nocauteou na Alemanha, durante a última turnê.

Parecia que um dos artistas mais multifacetados de todos os tempos estava no fim, vivendo uma reclusão melancólica, enfurnado no seu apartamento de Nova York, na companhia da mulher e da filha. Em matéria de Bowie, porém, é preciso ficar esperto.

Desde que apareceu para o mundo
artístico, no final dos anos 60, Bowie
(ou David Robert Jones) sempre foi
meio surpreendente. O ano era 1967, e 
o garoto loiro de franjinha, com olhos
de cores diferentes graças ao soco de
um amigo que o deixou de cama durante meses (ainda assim, eles continuaram amigos), veio com um disco
 que tem um pouco de folk e de ritmos
 do teatro musical inglês. Dois anos depois, com Space Oddity, ele ainda é folk, mas psicodélico.

Clichê do camaleão

Em 1970, o artista começa a encarnar o clichê do “camaleão” que o acompanharia pelos 43 anos seguintes. Na capa de The Man Who Sold the World, ele já aparece metido num traje meio eduardiano, languidamente estendido num divã. As canções do disco também mostravam mudanças mais roqueiras. Daí para a frente, ao longo desta década estranha e imortal, Bowie passou a ser o artista de quem sempre se esperaria uma novidade. E a novidade chegaria inteira no clássico The Rise and Fall of Ziggy Stardust and The Spiders from Mars, de 1972, aquele que o transforma numa estrela de primeira grandeza, disparando um jeito único de embalar ideias grandiosas em megaturnês centradas na figura do personagem-título. Ziggy, porém, era apenas uma faceta de um personagem muito mais múltiplo chamado David Bowie.

Aqueles eram anos esquisitos, em que os roqueiros se diziam andróginos, usavam vestimentas e penteados francamente ridículos e conseguiam ficar de pé sobre saltos de plataforma monumentais. Era o chamado “glitter”, sobre o qual Bowie tem grande parcela de responsabilidade. Todos esses anos de dissolução foram vividos sob o efeito de muitas drogas, e quando Bowie acordou mais à frente na década descobriu que sua recente imortalidade estava por um fio.

Diante da catástrofe iminente, resolveu tirar férias na improvável Berlim, dividida entre as duas Alemanhas. Antes disso, é preciso deixar claro que ele rompeu os parâmetros musicais do seu tempo com discos poderosos ou simplesmente intrigantes, como Pin Ups (1973), Alladin Sane (1973), Diamond Dogs (1974), Young Americans (1975) e Station to Station (1976). De cada um deles saiu um sucesso ou uma imagem penetrante: a cara cortada por raios na capa de Alladin, um ícone fotográfico; a faixa “Fame”, composta com John Lennon em Young Americans; o chamado “funk branco” que ele espalha aqui e ali e vira uma espécie de marca sonora.

Trilogia de Berlim

Mas atenção para a Trilogia de Berlim, os três discos funda- mentais que ele gravaria enquanto dividia um apartamento na cidade com o cantor Iggy Pop: desse espírito se alimenta o novíssimo trabalho de Bowie. Começa com Low, em 1977.

Produzido por Brian Eno (vítima também do efeito glitter, como ex-membro do Roxy Music), Low apresenta um Bowie mergulhado na música eletrônica. Foi tão importante que influenciou algumas gerações, a começar por Ian Curtis, o vocalista do Joy Division.

No mesmo ano sai “Heroes”, ainda com
Eno na produção, mais a guitarra experimen
talista de Robert Fripp. A canção-tema é um
dos grandes sucessos de Bowie até hoje. Fripp foi convidado para tocar no novo The Next Day, e não só recusou como postou isso no seu blog, o que quase estragou o segredo envolvendo o disco. A capa de The Next Day reproduz a foto de Bowie em Heroes, mas com um quadrado branco no meio.

Por fim, fechando a trilogia, Lodger (1979) foi mal recebido pela crítica – o futuro, porém, reavaliaria o disco, cujas músicas apontavam para as aventuras do artista nos anos 80, em sua pele new wave.

O Bowie dos anos 80 tem altos e baixos. Scary Monsters (and Super Creeps) (1980) praticamente inventa o que seria a música depois do movimento punk, que explodira na Europa em 1977, mas que já se anunciava nos Estados Unidos alguns anos antes. De 1983 é Let’s Dance, o maior sucesso comercial do cantor, um convite à dança cheio de ironia e sofisticação. “Durante anos”, disse o cantor, “bastava eu aparecer para me tirarem pra dançar. E olha que eu odeio dançar!”.

Paralela à música, uma carreira de ator de cinema florescia, com filmes cult como Fome de viver, Furyo e a cinebiografia Basquiat, em que Bowie faz o papel de um ídolo, Andy Warhol.

As décadas seguintes foram se sobrepondo com discos não mais do que razoáveis. Bowie sendo Bowie, era impossível prever que ele faria música ruim. Mas a expectativa era sempre elevada – e a decepção, inevitável.

Chegou 2004 e o fumante de 50 cigarros diários pagou seu preço, enfartando na Alemanha. Até 2006, Bowie fez aparições esparsas, até que resolveu se recolher em seu apartamento novaiorquino, levantando rumores sobre a saúde frágil e o fim da criatividade.

No último dia 8 de janeiro, o artista derrubou o site antigo e colocou no ar um outro, cheio de novidades. A primeira música a aparecer também em vídeo é “Where Are We Now?”, uma balada que evoca os tempos de Berlim. A segunda, “The Stars (Are Out Tonight)” lembra os tempos do Bowie andrógino, e é bem mais roqueira, no espírito poderoso que comanda The Next Day.

Retorno rebelde

Bowie, produzido pelo amigo Tony Visconti, parece mais em forma do que metade do jovem rock inglês dos nossos tempos, arrancando sons encorpados e muitas vezes furiosos dos seus músicos e cantando as letras que sempre caracterizaram o seu estilo de uma forma que beira o nonsense, falando da vida moderna que está lá fora agora.

Se “Where Are We Now?”é um pouco triste, a tristeza cede espaço a uma virulência rebelde no resto do disco. Tudo canta- do por uma das vozes capitais da música popular de todos os tempos. Como resultado, os críticos do mundo todo, do The Guardian à Rolling Stone, já se renderam novamente ao fascínio do velho camaleão.

Para os brasileiros, a boa notícia da volta de Bowie vem acompanhada de outra: em 2014, a exposição David Bowie Is, em cartaz no Victoria and Albert Museum de Londres, com mais de 300 itens representativos da vida do cantor, chega a São Paulo, para ser exibida no MIS, Museu da Imagem e do Som. Bowie, que já passou pelo Brasil em duas outras ocasiões, voltou para ficar.

Cadão Volpato é escritor – autor dos contos de Relógio sem sol e do romance Pessoas que passam pelos sonhos– e músico fundador do Fellini,grupo dos anos 80, com o qual gravou seis discos


Viewing all articles
Browse latest Browse all 9

Trending Articles